A sua fala, como na língua espanhola, possui interrogações no começo e no final das perguntas. Aliás, suas afirmativas, exclamações, negações, tudo o que diz vem acompanhado de interrogações antes e depois. Ela sempre fala em tom de dúvida: – “¿Bom dia?” – “¿Cinco pãezinhos? – “¿300 gramas de mussarela?”.
Assim, a verdade não encontra abrigo naquela boca de lábios finos e pálidos. Com voz baixa e feição seca e reticente, planta a imprecisão e a insegurança na mente de seus interlocutores.
Mestre na arte da ambigüidade, se esconde por trás de um óculos sem grau. Não precisa deles para enxergar, mas ajudam a compor o personagem rude que pretendia ser. Somente assim ela poderia deferir aquele olhar de desprezo e indignação, daqueles quando se olha por cima das lentes. “¿Não dá pra ser respeitável sem óculos?” pensou. Seu estilo se completa com uma inseparável pasta onde não carrega nada de importante e um casaquinho de crochê, quase uma segunda pele que não tira nunca, inverno ou verão.
Estudou biologia e arquivologia com o objetivo de realizar seu desejo maior: criar o maior arquivo de folhas secas do mundo. O arquivo definitivo em que cada espécie de folhinha, uma a uma, estivesse seca, catalogada, digitalizada, higienizada e isolada de qualquer contato humano para sempre. Porque “¿O que estraga as coisas é o contato humano?”, pensava. As pessoas fedem, as mãos são gordurosas, os cabelos oleosos, o hálito é ruim. “¿Só eu vejo a sujeira?” tinha a certeza.
Nunca se sentiu odiada, apenas inalcançável, incompreendida e rodeada de imbecis. Por isso não possuía raiva ou rancor, tinha objetivos, metas, cronograma e um plano diretor a ser realizado no prazo de 48 anos. Esse é o tempo de vida que calculava ainda lhe restar, baseada em sua alimentação balanceada e em sua vida regrada, sem sexo, bebidas ou diversão. O último passo de sua grande jornada seria dar início ao grandioso projeto de conservação de corpos humanos, desidratados, empalhados e catalogados. Seu corpo seria a primeira peça desse grande arquivo morto.